Desapega Rosa chega à 8ª edição com solidariedade e estilo em Lages |
Uma operação da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC), no início desta semana, com apoio da Polícia Militar Ambiental (PMA), resultou no resgate de um filhote de cervo mantido ilegalmente dentro de uma residência em Lages.
O flagrante, no bairro Santa Catarina, incluiu a apreensão de espingardas artesanais, munições e a descoberta de um freezer cheio de carne congelada, suspeita de ser proveniente de caça. O homem foi preso por posse ilegal de armas e encaminhado à delegacia.
Com cerca de um mês de vida, o pequeno cervo foi encaminhado ao Hospital de Clínica Veterinária Lauro Ribas Zimmer (HCV) do Centro de Ciências Agroveterinárias (CAV) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), onde passou a receber cuidados especializados.
O filhote está clinicamente bem, aos cuidados de uma equipe que segue um rígido protocolo de manejo de cervídeos. O animal é alimentado com leite de cabra e monitorado por uma equipe formada por professores, técnicos e estudantes da graduação em Medicina Veterinária.
“Ele ainda é muito jovem e precisa de cuidados específicos. O processo agora envolve alimentação adequada, exames clínicos e avaliação do seu comportamento”, explica o professor e médico veterinário Aury Nunes, responsável pelo atendimento.
A espécie exata ainda é incerta - pode ser um cervo-campeiro ou um veado-catingueiro -, o que será confirmado por exame genético, já que filhotes de cervídeos têm morfologias (características físicas) muito semelhantes.
Esse não é um caso isolado. Poucos dias antes, uma capivara adulta foi resgatada após invadir a pista de pouso do Aeroporto Federal Antônio Correia Pinto de Macedo, em Lages. O animal foi contido com apoio da equipe de segurança do aeroporto e encaminhado ao HCV, onde foi avaliado. Sem ferimentos e em bom estado geral de saúde, segue até o momento aos cuidados da equipe no HCV.
Casos assim, além de envolverem risco à fauna, também representam ameaça direta à segurança de pessoas, exigindo resposta técnica rápida e qualificada.

Estrutura de referência regional e formação acadêmica aplicada
Situações como essas são atendidas regularmente pelo Serviço de Atendimento e Reabilitação de Animais Silvestres (SARAS), mantido pela Udesc Lages em cooperação com o Instituto do Meio Ambiente (IMA) e a Polícia Militar Ambiental.
Os atendimentos seguem protocolos técnicos de manejo e avaliação, definidos por normas ambientais e orientados por critérios clínicos e comportamentais. De acordo com o professor Aury, há três possibilidades para os animais silvestres atendidos: retorno à natureza, encaminhamento a centros de reabilitação ou destinação a zoológicos.
“A reintrodução é possível, mas complexa. Requer estrutura específica, avaliação comportamental e protocolos de soltura. Na maioria dos casos, como este do pequeno cervo, o destino mais viável será um zoológico autorizado”, explica.
As atividades clínicas e de manejo são também espaço de formação acadêmica. O Grupo de Estudos sobre Animais Selvagens eSilvestres (GEAS CAV), coordenado pela professora Mere Saito - também Diretora do HCV - atualmente reúne 20 integrantes, estudantes de Medicina Veterinária da Udesc Lages, que atuam diretamente nas rotinas de alimentação, reabilitação e manejo dos animais atendidos nesse tipo de ocorrência. Para os estudantes, a experiência vai além da técnica.
“Cada resgate carrega uma história. Alguns animais chegam muito debilitados e se recuperam totalmente. Quando conseguimos soltá-los de volta à natureza, é recompensador”, conta Aline Viebrantz. “Muda nossa visão. Não é só técnica, é empatia e responsabilidade”, completa Kimberlyn Burigo, da quinta fase do Curso.
Além da atuação dos estudantes e professores, o HCV conta com apoio de outros setores da Udesc Lages, como o Laboratório de Entomologia, que fornece alimento vivo para aves insetívoras (que se alimentam de insetos).
A estrutura também é mantida com recursos complementares oriundos de multas ambientais, aplicadas a quem mantém ou comercializa animais silvestres.
Esses valores ajudam na aquisição de insumos, equipamentos e alimentação especializada, sempre com prestação de contas aos órgãos competentes. Tudo isso consolida o hospital da Udesc como referência pública na região para o atendimento de animais silvestres.
Compromisso com a ciência e a responsabilidade social
Com mais de 44 anos de atuação no Centro de Ciências Agroveterinárias, professor Aury Nunes permanece na linha de frente do atendimento, mesmo após a aposentadoria.
Atualmente, como professor voluntário, além da rotina clínica, ele coordena projetos e articula propostas para a criação de um centro de reabilitação para atendimentos em âmbito regional, iniciativa que aguarda viabilidade há quase dez anos.
Enquanto isso, segue orientando estudantes, elaborando protocolos e garantindo que cada animal recebido seja avaliado com o mesmo cuidado e responsabilidade.“A gente s
abe que não vai salvar o mundo, mas cada animal atendido com dignidade é um pequeno acerto numa realidade ainda muito desequilibrada”, afirma o professor. Para ele, o trabalho com silvestres vai além da técnica e da medicina veterinária. “Trabalhar com fauna silvestre é também trabalhar com educação ambiental. Muita gente nem sabe que é crime manter um animal desses em casa. Nosso papel é atender, mas também informar”.
Entre os corredores do Hospital Veterinário, o cuidado com a vida silvestre está em geral longe dos holofotes, mas tem alto valor científico e social. Cervos em quartos, corujas feridas, gambás atropelados ou capivaras em áreas urbanas — todos são reflexo do desequilíbrio entre o homem e a natureza.
E todos encontram, na Udesc Lages, uma chance de recuperação baseada na ciência, no compromisso institucional e na formação de profissionais mais conscientes do seu papel na conservação do meio ambiente.
“Eu já poderia ter me afastado, mas enquanto houver equipe engajada e animais precisando, continuo aqui. Essa é minha missão. A universidade me formou e me manteve. Hoje, eu retribuo com trabalho e presença”, conclui professor Aury.
GEAS CAV: educação, prática e conservação voltadas à fauna silvestre
O Grupo de Estudos de Animais Selvagens e Silvestres (GEAS) é uma iniciativa do CAV que conecta estudantes, profissionais e a comunidade ao universo da medicina veterinária aplicada à fauna silvestre.
Com encontros semanais abertos ao público, o grupo promove palestras que abrangem desde anatomia e reabilitação até doenças e zoonoses que acometem esses animais. “A gente busca, então, aproximar os estudantes, profissionais e a comunidade que se interessa pela área de silvestres”, resume Kimberlyn.
Além da rotina de estudos, o GEAS organiza eventos como o CAV Selvagem, um ciclo de palestras e minicursos com profissionais reconhecidos, bem como uma atividade de fim de semana focada em répteis, com parte teórica e prática.
O grupo também já ofereceu atividades sobre necropsia de arraias e tubarões, biologia de morcegos, e emergências em pets não convencionais, além de saídas técnicas, como a visita ao Parque das Aves.
Outra frente essencial é a educação ambiental, levada a escolas e creches, com linguagem adaptada à faixa etária. “Com crianças a gente trabalha de forma mais lúdica”, explica Kimberlyn, “usamos jogos, histórias, imagens, atividades que despertam a curiosidade sobre a fauna”. Com adolescentes, o debate aprofunda temas como tráfico de animais e impactos da caça ilegal.
O GEAS também atua em campo: está iniciando um projeto de monitoramento da fauna no Parnamul, em parceria com a Sumatra, com foco em grupos como avifauna, mastofauna e herpetofauna.
Além disso, marca presença em eventos institucionais como o Parque das Profissões e o CAV de Portas Abertas. Para estudantes de veterinária, participar do grupo é uma vivência enriquecedora.
“Durante a faculdade, a gente quase não tem contato com os animais silvestres. O grupo abre portas que dificilmente a gente teria dentro da sala de aula”, reforça Kimberlyn. A prática é potencializada pelo vínculo com os SARAS.
O trabalho realizado pelo GEAS CAV pode ser acompanhado pelo Instagram no perfil @geascav. Bastante ativo e atualizado, o perfil destaca os bastidores dos atendimentos, ações de campo, pesquisas em andamento e atividades de extensão vinculadas ao cuidado com a fauna silvestre.
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