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256 ANOS

Do curandeiro ao especialista, Lages se torna centro macrorregional em saúde

  • Prédio abrigou a Farmácia Guega, a primeira de Lages em 1869

Último recurso, cirurgias eram realizadas na mesa da casa, com o paciente amarrado e sedado com clorofórmio

Quem é atendido em uma clínica ou hospital de Lages por um médico especialista e com equipamentos de última geração, sequer imagina como eram os tratamentos de saúde na época da fundação do município, em 1766. Em sua comitiva, o fundador Antônio Correia Pinto de Macedo não incluiu a presença de alguém da área da saúde, “alguém dado às artes de curar”. Ele mesmo distribuía os remédios, como conta em seu livro, Continente das Lages, o escritor e historiador Licurgo Costa. 

Sem a presença de um médico, os problemas de saúde eram tratados com ervas receitadas por familiares ou por curandeiros, como o citado pelo escritor e jornalista, Névio Fernandes: Onofre, o curandeiro. “Com longas barbas, unhas grandes, olhar penetrante e voz mansa, ele curava e profetizava”. 

Os fundadores trouxeram macela, losna, sabugueiro, funcho, hortelã e folhas de goiabeira, além de emplastros. Segundo o livro o Continente das Lagens, Correia Pinto relatou que o clima era sadio e que as pessoas que passavam por aqui, geralmente tropeiros, não portavam doenças contagiosas. 

Boa notícia, porque sem profissionais do ramo e sem hospitais, cirurgias eram realizadas em casos extremos. O risco de morte nesses procedimentos era alto. O paciente geralmente era amarrado à mesa da casa, seguro por familiares enquanto alguém com mais conhecimento fazia o corte, na maioria das vezes amputação de membros. Não existia anestésicos. Assim, gotas de clorofórmio eram pingadas em um pano amarrado no nariz do paciente.  

Também de acordo com Licurgo Costa, Pedro da Silva Ribeiro, vindo de uma Localidade chamada Tijucas, próxima de onde atualmente é Bom Jardim da Serra, foi o primeiro curandeiro da vila. Ele distribuía gratuitamente chás e ervas para a população. O primeiro médico formado a trabalhar em Lages foi Hartwigo Frederico Emilio Rambusch. Entre 1865 e 1870 serviu como cirurgião na Guerra do Paraguai. Em 1858, chegou a Lages Hermógenes de Miranda Ferreira Santo, formando na Bahia, com pretensão de montar um consultório em Lages. O primeiro médico lageano foi Walmor Argemiro Ribeiro Branco, que se formou em 1911 no Rio de Janeiro. 


Primeira farmácia foi aberta em 1869

Atualmente, Lages dispõe de ampla rede de farmácias, tanto no Centro quanto nos bairros. Mas somente um século depois de sua fundação o município conseguiu um estabelecimento do gênero, a Farmácia do Guega. Ela funcionava no Casarão Gamborgi, que existe até hoje na esquina das ruas Hercílio Luz com a Marechal Deodoro. 

Antes da farmácia, os medicamentos eram vendidos em armazéns, junto com alimentos, prática que persistiu até o século XX. O primeiro farmacêutico lageano diplomado foi Joaquim de Oliveira Waltrich, em 1906. Como não existiam laboratórios, os medicamentos eram basicamente remédios de origem vegetal (ervas) combinados com produtos químicos. Muitos deles têm uso até nos dias atuais, como óleo de rícino, magnésia calcinada e outros. 


Tudo muda em 1915, o primeiro hospital

As Irmãs da Divina Providência vieram para Lages em 1901 e passaram a ajudar as pessoas doentes. Sem hospital, os pacientes eram tratados em uma casa perto do Colégio Santa Rosa. Em 1915 foi inaugurado o Hospital de Caridade Nossa Senhora dos Prazeres, o primeiro da Serra Catarinense. Na época, funcionava como uma enfermaria para senhoras. Em 1922, ganhou o primeiro centro cirúrgico e em 1941 passou a se chamar Hospital Nossa Senhora dos Prazeres, ganhando novas estruturas como lavanderia, refeitório e área para tratamento de tuberculose e tifo. 

A estrutura do primeiro hospital é mantida até hoje. É aquela de pedra bem na esquina entre as ruas Hercílio Luz e Lauro Müller. Atualmente, depois de várias ampliações, com mais de 150 leitos, o hospital atende milhares de pessoas nas áreas de traumatologia, neurocirurgia, cardiologia e tantas outras. São pacientes vindos da Serra Catarinense, Meio Oeste e até do Alto Vale do Itajaí. Mais de 500 profissionais se revezam neste atendimento. 


Referência macrorregional

O Nossa Senhora dos Prazeres foi o primeiro hospital. Depois, com o tempo, Lages ganhou o Tereza Ramos, conhecido até hoje como maternidade e um dos maiores de Santa Catarina com mais de 700 funcionários e 130 médicos. O município tem ainda um dos únicos hospitais infantis do estado, o Seara do Bem e dois privados, o Ana Carolina e o Hospital de Clínicas Bermiro Saggiorato. 

A facilidade de locomoção, por estar praticamente no centro do estado, atraiu a vinda de pacientes e por consequência a instalação de laboratórios, consultórios e clínicas que oferecem os mais diversos exames, diagnósticos e tratamentos nas áreas da medicina e odontologia. 

Trata-se de um setor dinâmico, que a cada ano apresenta novos equipamentos, estruturas e possibilidades de tratamento, fator que consolida o município como polo macrorregional em saúde. Macro, porque não recebe pacientes apenas da Serra Catarinense e sim de várias regiões catarinenses. São milhares de pessoas empregadas direta e indiretamente em empresas que atuam para dar suporte aos hospitais, clínicas e afins.    

 

Cis-Amures viabiliza atendimento à região

Oneris Lopes

 

Da necessidade de atender munícipes que não tinham acesso em algumas especialidades médicas, efetivou-se a proposta de compra de serviços com custos reduzidos. Foi nesse contexto que surgiu em setembro de 1997, o Consórcio Intermunicipal de Saúde da Amures – Cis-Amures. Entidade que completou 25 anos em 18 de setembro.

Hoje com serviços especializados de média complexidade, o Cis-Amures é um maestro na organização das demandas regionais de saúde, garantindo assim, atendimento de forma igualitária a todos os municípios, conforme prevê o Sistema Único de Saúde, com as devidas regulações vigentes.

Através deste sistema é planejada a cobertura de atendimentos de acordo com as necessidades, parâmetros técnicos e financeiros viáveis. Eficiência e menor custo-benefício é foco permanente na relação paciente e atendimento. Assim são realizadas mensalmente, um volume importante de procedimentos nos consultórios da sede do Cis-Amures e em clínicas contratualizadas.

Pioneiro nesta modalidade de serviço em Santa Catarina, o Cis-Amures avançou para além fronteira da Serra e hoje, tem 28 municípios consorciados.

 

Curiosidade

SUS tem DNA lageano?

Núbia Garcia

Reza a lenda que o modelo de gestão adotado pelo SUS à época de sua criação, em 1988, pode ter surgido em Lages, mais de uma década antes. Durante a gestão de Dirceu Carneiro e Celso Anderson de Souza, que durou de 1977 a 1983, a dupla emedebista criou um sistema de atendimento médico nos bairros e no interior do município para desafogar as filas de espera por consulta que, até então, aconteciam somente na sede da Previdência Social, em um prédio no Centro da cidade, atualmente utilizado pelo INSS.

Até os idos dos anos de 1970, era comum que as pessoas amanhecessem em gigantescas filas na sede da Previdência Social, na expectativa de conseguir uma vaga para se consultar no dia seguinte. “Acabaram as fichas para o médico…” era a frase mais temida por quem passava a madrugada em claro na fila, pois significava que teria que voltar na noite seguinte, mesmo sem ter certeza de que conseguiria a ficha.

Com o apoio das Associações de Moradores, Carneiro e Anderson desenvolveram um projeto que levava médicos aos bairros e ao interior de Lages, que à época era muito maior, pois englobava distritos como Correia Pinto, Otacílio Costa, Capão Alto, Palmeira, dentre outros, que mais tarde emanciparam-se e se tornaram municípios.

As associações de moradores construiam ou emprestavam locais que funcionavam como postos de saúde. Da comunidade também saiam as voluntárias que passavam por um curso oferecido pelo município e se tornavam agentes de saúde. “Nestes postos o médico tinha o prontuário de cada um, que a agente de saúde fazia. Ele sabia o que a pessoa teve, que remédios tomou, o resultado de exames e assim por diante. Começou aí uma medicina preventiva familiar, porque o médico acabava por conhecer todos da comunidade. Esse processo começou a ser implantado e as filas no centro reduziram, porque os médicos foram em definitivo pros bairros”, comenta Carneiro, lembrando que as consultas com especialistas continuaram acontecendo no Centro, pois os bairros contavam com clínicos gerais.

Com os postos funcionando a pleno vapor nos bairros e comunidades de interior, Carneiro foi audacioso. Ao lado de sua equipe de gestores, o que inclui Souza, ainda no fim dos anos de 1970, elaborou um dossiê e apresentou o projeto ao então ministro da Previdência Social, Jair Soares.

A partir desta conversa e depois de estudos pertinentes, foram criados 20 projetos-piloto, seguindo os moldes desenvolvidos em Lages, em cidades de todo o Brasil. Segundo Carneiro, anos mais tarde este modelo acabou servindo como base para criação da sistemática de atuação do SUS.


ENTREVISTA

Secretário de Saúde de Lages, Claiton Camargo

Folha da Serra - Nas últimas décadas, Lages se tornou pólo macrorregional de saúde. Na sua opinião, o que influenciou para isso?  

Claiton Camargo - Lages é uma cidade muito importante economicamente, com posicionamento estratégico e com uma estrutura em Saúde que cresceu significativamente nos últimos anos, tanto no serviço público, quanto no serviço privado. Por estar no ponto central do Estado, com cruzamento entre duas das principais BRs de SC, facilita o deslocamento de pacientes para atendimento. Mas, acima disso, a qualidade dos nossos serviços de referência tem consolidado todo esse potencial, destacando-se em especial a Neurologia, Ortopedia, Pediatria, Obstetrícia, Cardiologia, Oftalmologia e tantas outras áreas em ascensão em qualidade e destaque.

O município, principalmente via UPA, também faz parte dessa rede de atendimento?

Com toda certeza, pois temos uma UPA acima dos padrões de exigência do Ministério da Saúde, que é porta da Rede de Urgência e Emergência da Serra Catarinense, onde a sua atuação faz com que a nossa região não sofra com pacientes aguardando atendimento em corredores das emergências dos hospitais, permitindo uma qualidade de atendimento SUS diferente do que comumente e infelizmente acontece em outras cidades de porte semelhantes a da nossa cidade. Quem conhece a realidade ou reside em outras cidades do país, reconhece a importância da nossa UPA.

São quantos postos de saúde, farmácias básicas, quais os serviços oferecidos?

Nossa cidade possui 27 Unidades Básicas de Saúde e uma farmácia básica municipal, além de diversos outros serviços especializados como os Caps, Policlínica, UPA e também serviços contratualizados em clínicas privadas e Consórcio de Saúde, que complementam a abrangência ao atendimento à saúde da nossa população.

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